quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Império Romano

Bar do Parque, 25 de dezembro de um ano qualquer.
Eram cinco da tarde e todos esperavam o bloco chegar. A cerveja gelada já estava acabando na mesa dos dois retratistas que chegaram cedo e sentaram num canto, bem em frente ao balcão. Eles observavam e registravam com suas câmeras, o desfile da loira entre as mesas, sua dança sem música e suas vestes minúsculas.
Ela, loira, quenga, jovem e maltratada, seduzia por um cigarro, passeando na frente dos homens com um pirulito na boca.
A velha escorada no parapeito fumava e reclamava. Da quenga, dos homens, da cerveja... Gritava –“Garçonete!”, e o pobre homem que já aturou muito porre na vida resmungou qualquer coisa, mas faz seu trabalho. Dali, a velha só gostava da cerveja, do cigarro e do parapeito que a segurava.
E a quenga dançava sua música imaginária, ganhou um cigarro e agradeceu –“Obrigada, cavaleiro”. Imaginei se o homem tinha um cavalo... pelo menos seu chapéu combinava. O “cavaleiro” era dono de uma padaria em alguma esquina de Recife, Belém ou Salinópolis. Como a loira (não a quenga do pirulito, mas a gelada dentro do copo) é boa ouvinte, ele também já fazia suas lamentações. Virou pra mesa ao lado e perguntou à turista, aparentemente modelo, qual era seu nome.
– Gelsey.
– Moça, você é bonita, mas seu nome é difícil.
Ela era russa, mas ele não se importou em continuar falando e contar da vez que lhe encomendaram um bolo de aniversário que deveria vir com o nome do aniversariante.
– Tive que pedir a certidão de nascimento pra acertar o nome. Você sabe escrever Washington? – Perguntou à amiga bailarina da modelo, que acabara de fazer uma récita de Natal no Theatro da Paz.
– Sabia, antes dessa dose.
O “cavaleiro do pão” retornou à sua mesa, e os retratistas (como os próprios se intitulavam) continuavam a trabalhar enquanto bebiam e contavam histórias sobre o Bar do Parque:
– Essa mangueira aqui do lado?
– Sim! Essa mangueira tem história! Muitos artistas já mijaram nela. Quando não tinha banheiro, era aqui mesmo.
– Rapaz, Ruy Barata já mijou nessa mangueira!
Um mijo artístico! Uma boa pauta enquanto não chegava o bloco...
– Tu não faz isso lá no Locô! – Gritou a velha pra loira, e assim soubemos sua origem.
Chegaram os Romanos.
Percebe-se bem a diferença entre aquele que teve o trabalho de comprar o tecido e os acessórios no Mandarim pra esposa fazer a fantasia e o que levantou e só puxou o lençol que estava na cama o mês inteiro, e ainda roubou a toalha de mesa de um bar pra completar o figurino.
Eles sentaram-se à mesa das modelos, a loira e a ruiva. Ofereceram-lhes bebida e as convidaram para um passeio de iate. E a bailarina encontrou um ator que não gostou da sua apresentação e os dois discutiam sobre os artistas transgressores da cidade e filosofaram sobre a relatividade do tempo.
Enquanto isso, a quenga do pirulito já havia descido para dar lugar à uma nova protagonista: o travesti, vestido de Baco, brilhando no salto mais alto, coroando a noite.
A essa altura, todo o Império Romano já estava lá e a Galinha já estava pegando fogo e o Carimbó do Neto começou a tocar. A fumaça do churrasco de gato e a batucada chamavam todos e não importava se a condução já ia parar de passar, todo mundo ali só queria comemorar o Natal dançando, comendo e bebendo. Todos mesmo. Até a polícia chegou para abaixar o som, mas não calou o tambor enquanto ela não chegava.
Já era noite, a quenga do pirulito ainda estava por lá, de roda em roda, batendo o pé no chão, mas bastava olhar o céu rosado pra saber:
– Lá vem ela!

E veio. Choveu. Finda o Império Romano mais uma vez.

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